Teófilo Otoni, Minas Gerais, dezembro de 1971. “Pedrinhas,
doutor!” é a frase que mais ouço na praça central da cidade, cheia de
vendedores de pedras preciosas e semi-preciosas. Resolvo entrar num dos prédios
que abrigam as centenas de lapidadores, e converso horas com um deles.
Tem uns 50 anos, é simpático e inteligente. O papo rola solto. Depois de me
falar de seu trabalho, conta que acabou de sair de um longo período de
depressão, por ter se separado da mulher. E me diz que pretende casar de novo,
mas que no próximo casamento não vai “cometer o mesmo erro” do primeiro: “Da
próxima vez, vou ser menos ciumento e não vou exigir fidelidade conjugal!”. Não
posso dizer que representasse a opinião média dos trabalhadores da região, mas
era significativo um homem simples, do interior de Minas, tocar num dos temas
preferidos dos jovens intelectuais da época, e que demonstrasse a disposição de
ter um “casamento aberto”, nos moldes tentados por tanta gente de pensamento
“avançado”. No Brasil, penso que uma das razões para a revolução que tantos
queriam fazer em suas vidas pessoais era o massacre, pelo governo militar, dos
ideais da revolução social. Sem o poder de mudar a situação fora de casa,
parecia ser menos arriscado e mais viável transformar as estruturas domésticas.
Fazer amor, e não a guerra. Mas quem tentou viu que não era fácil assim. Poucos
conseguiram, como queriam, engolir o ciúme e apagar a insegurança e o medo da
perda. Um conhecido professor universitário (e é só um exemplo, dentre muitos),
depois de contar à mulher que tinha um caso, incentivou-a a fazer o mesmo. A
moça seguiu o conselho, e ele, num ataque de possessividade, acabou cobrindo-a
de porrada, e ainda contratou um detetive particular para segui-la. Nem todos lidam com o ciúme se descontrolando assim - e muita gente conseguiu manter experiências de casamento aberto por mais tempo - mais não sem sofrimento, reconheça-se.
Culturalmente, não estávamos prontos – hoje
talvez estejamos, não muito, mas um pouquinho mais preparados – para essa
mudança. Ainda assim (e talvez um tanto surdamente, sobretudo depois da vinda
da Aids), essa discussão não terminou. Nos Estados Unidos, a maneira como o
povo norte-americano perdoou as infidelidades de Bill Clinton mostra quanto
terreno o moralismo perdeu nas últimas décadas. Das histórias de sexo dos
presidentes, não escapou nem mesmo Jefferson, o pai da pátria americana, e os
descendentes de seus filhos “bastardos” (até essa palavra soa antiga, não é
mesmo?) com uma bela escrava hoje exibem com orgulho sua árvore genealógica. E
são precisamente os ideais revolucionários dos anos 60 e 70 que explicam a
elegante contenção com que Hillary Clinton enfrentou a exposição pública dos casos
do marido. O compromisso entre os dois sempre foi de lealdade, e não de
fidelidade, como explica o escritor cubano Carlos Alberto Montaner, um dos
autores dos livros “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano” e “A Volta do
Idiota”, sobre a mania latino-americana de adorar caudilhos. Segundo Montaner,
nos anos 70, Bill e Hillary, “na pós-adolescência, ainda vítimas da acne, se
sentaram nos bancos da universidades e começaram a experimentar o sexo, a
maconha e o senso de justiça”, obedecendo às palavras de ordem de liberdade e
sensualidade, pretendendo a extinção do casamento tradicional, formalmente
baseado na mútua exclusividade, e acreditando que “as pessoas tinham o direito
de desfrutar de seu corpo, de explorar seus gostos pessoais, suas fantasias, suas
mais profundas necessidades emocionais”. Para eles, pois, o importante não era
ser fiel ao outro, mas a si mesmo. “A revolução sexual – acrescenta Montaner –
havia estourado e Bill e Hillary, como tantos milhões de jovens atrevidos, se
lançaram às barricadas”. Tenho a leve impressão de que novas e modernas
barricadas, poderosas e internáuticas, começam a se formar.
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