segunda-feira, 1 de julho de 2013

FIDELIDADE OU LEALDADE


Teófilo Otoni, Minas Gerais, dezembro de 1971. “Pedrinhas, doutor!” é a frase que mais ouço na praça central da cidade, cheia de vendedores de pedras preciosas e semi-preciosas. Resolvo entrar num dos prédios que abrigam as centenas de lapidadores, e  converso horas com um deles. Tem uns 50 anos, é simpático e inteligente. O papo rola solto. Depois de me falar de seu trabalho, conta que acabou de sair de um longo período de depressão, por ter se separado da mulher. E me diz que pretende casar de novo, mas que no próximo casamento não vai “cometer o mesmo erro” do primeiro: “Da próxima vez, vou ser menos ciumento e não vou exigir fidelidade conjugal!”. Não posso dizer que representasse a opinião média dos trabalhadores da região, mas era significativo um homem simples, do interior de Minas, tocar num dos temas preferidos dos jovens intelectuais da época, e que demonstrasse a disposição de ter um “casamento aberto”, nos moldes tentados por tanta gente de pensamento “avançado”. No Brasil, penso que uma das razões para a revolução que tantos queriam fazer em suas vidas pessoais era o massacre, pelo governo militar, dos ideais da revolução social. Sem o poder de mudar a situação fora de casa, parecia ser menos arriscado e mais viável transformar as estruturas domésticas. Fazer amor, e não a guerra. Mas quem tentou viu que não era fácil assim. Poucos conseguiram, como queriam, engolir o ciúme e apagar a insegurança e o medo da perda. Um conhecido professor universitário (e é só um exemplo, dentre muitos), depois de contar à mulher que tinha um caso, incentivou-a a fazer o mesmo. A moça seguiu o conselho, e ele, num ataque de possessividade, acabou cobrindo-a de porrada, e ainda contratou um detetive particular para segui-la. Nem todos lidam com o ciúme se descontrolando assim - e muita gente conseguiu manter experiências de casamento aberto por mais tempo - mais não sem sofrimento, reconheça-se.
Culturalmente, não estávamos prontos – hoje talvez estejamos, não muito, mas um pouquinho mais preparados – para essa mudança. Ainda assim (e talvez um tanto surdamente, sobretudo depois da vinda da Aids), essa discussão não terminou. Nos Estados Unidos, a maneira como o povo norte-americano perdoou as infidelidades de Bill Clinton mostra quanto terreno o moralismo perdeu nas últimas décadas. Das histórias de sexo dos presidentes, não escapou nem mesmo Jefferson, o pai da pátria americana, e os descendentes de seus filhos “bastardos” (até essa palavra soa antiga, não é mesmo?) com uma bela escrava hoje exibem com orgulho sua árvore genealógica. E são precisamente os ideais revolucionários dos anos 60 e 70 que explicam a elegante contenção com que Hillary Clinton enfrentou a exposição pública dos casos do marido. O compromisso entre os dois sempre foi de lealdade, e não de fidelidade, como explica o escritor cubano Carlos Alberto Montaner, um dos autores dos livros “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano” e “A Volta do Idiota”, sobre a mania latino-americana de adorar caudilhos. Segundo Montaner, nos anos 70, Bill e Hillary, “na pós-adolescência, ainda vítimas da acne, se sentaram nos bancos da universidades e começaram a experimentar o sexo, a maconha e o senso de justiça”, obedecendo às palavras de ordem de liberdade e sensualidade, pretendendo a extinção do casamento tradicional, formalmente baseado na mútua exclusividade, e acreditando que “as pessoas tinham o direito de desfrutar de seu corpo, de explorar seus gostos pessoais, suas fantasias, suas mais profundas necessidades emocionais”. Para eles, pois, o importante não era ser fiel ao outro, mas a si mesmo. “A revolução sexual – acrescenta Montaner – havia estourado e Bill e Hillary, como tantos milhões de jovens atrevidos, se lançaram às barricadas”. Tenho a leve impressão de que novas e modernas barricadas, poderosas e internáuticas, começam a se formar.

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