Desde criança eu queria ser pai. De
muitos filhos. Admirava famílias grandes, casas cheias de quartos com beliches,
monte de gente falando na hora do jantar, bandejas correndo de mão em mão pela
mesa imensa. Olhava para cada menina como uma potencial mãe dos meus filhos.
Depois descobri o sexo, atividade que
sempre me deu muito prazer, e centrei-me nesse prazer. Nada podia ser melhor do
que fazer sexo, sobretudo quando apaixonado. Era tão bom que desviava minha
atenção do fato de que todo aquele prazer era exatamente o que fazia com que
homens e mulheres se tornassem pais e mães. Até que minha namorada ficou
grávida, e a relação entre um e outro desejo se estabeleceu com contundente
clareza.
Grana pouca, 23 anos eu e ela 22. Em
nenhum momento duvidamos de que a notícia era maravilhosa e casamos
praticamente sem pensar. No dia do casamento, três meses de gravidez, o vestido
dela, na altura dos seios, apresentava pinguinhos de leite. Foi para mim um bom
sinal. Certamente teríamos uma substanciosa família, grande, feliz e bem
alimentada. Paramos em dois casais de filhos. Não era a família grandona que eu
imaginara antes, mas estava de bom tamanho para os tempos que corriam.
Nunca me senti realmente preparado para
a paternidade ou para a vida (me aventurei, com sucesso, em três profissões,
mas às vezes penso que minha verdadeira vocação e realização seria tocar harpa
paraguaia e cantar guarânias em bares noturnos pesadamente boêmios). Entre
culpas, medos e alegrias, porém, acho que tenho me saído razoavelmente bem.
Ninguém ensina ninguém a ser pai.
Aprendizado de pai é transferência, com saltos de qualidade, de uma situação
para outra. Fui aprendendo aos poucos, pensando e repensando a experiência
e imitando, mesmo sem querer, a
referência de pai que tinha. Do meu pai recebi, mais que tudo, um afeto sem
limites.
De escola meu pai só teve o primeiro ano
primário. Filho de colono de fazenda, cresceu sendo peão para tudo, lavrador,
cozinheiro, mecânico, motorista, marceneiro e lenhador, serrando troncos,
produzindo e carregando dormentes para construção de ferrovia. À noite, à luz
de velas, aprendia solitariamente em quartos de pensão, lendo livros de
matemática, português (um velho e excelente dicionário encadernado por meu pai
até hoje está comigo) e inglês. Aprendeu tudo sobre café e foi, já jovem, ser
provador e classificador, e mais tarde, final da década de 40, casado e com
três filhos, gerente de empresas exportadoras. Conheci as belas mãos de meu pai
já delicadas, quentes e macias. Depois do jantar, eu colava o ouvido ao violão
para ouvi-lo dedilhar, doce e suavemente, velhas valsas e sambas. Não havia
calos na mão que tocava meu peito, enquanto ele me contava histórias e me
cobria nas noites de frio. Ele se foi há muito tempo, mas ainda sinto sua mão.
É ela que me acalma, protege e conforta nos momentos de angústia, tristeza e
desamparo.
A certeza desse afeto é que me deu força
para, aos 17 anos, sair de casa e ir sozinho para a metrópole, onde não
conhecia ninguém.
Quando me tornei pai, tudo o que queria
era conseguir tocar meus filhos com aquela mesma mão. Eu sabia que, para ter
filhos felizes, só precisaria tocá-los daquela forma. O resto era detalhe.
Acho engraçado dizerem que pai não pode
ser amigo. Pode, sim. Meu pai foi, e eu nunca tive dúvidas em querer ser grande
amigo dos meus filhos. Amigo de verdade não é o que é conivente com erros e
deixa o outro fazer bobagem e caminhar torto. Amigo briga, até rompe a amizade
quando vê o amigo estragando a própria vida. Um dia o amigo volta e agradece.
Pai tem de ser amigo assim.
Muitas vezes me perguntei se gostava
mais de um filho que de outro. Pergunta que todo mundo faz aos pais, achando
que preferência é inevitável. Não vejo diferença entre os meus amores por eles.
Vejo, sim, que em cada tempo estou mais próximo de um. Ou porque estou me
identificando mais com o que ele está vivendo, ou porque acho que naquele
momento precisa mais de mim - ou eu dele.
Sempre confiei neles. Sem nenhum
esforço. Estranho pai que desconfia, inquire, vigia e investiga. Isso não é
cuidar. Cuidar é dar opinião, é defender de todo e qualquer ataque, é estar
solidário, pronto para ajudar, mas respeitando a autonomia do outro e o
pensamento diferente.
Culpa, só sinto pelos momentos em que
fui pouco atento, ou interferi indevidamente na vida deles. Momentos em que não
percebi ou não valorizei o sofrimento por que passavam, ou impus decisões
contra a vontade deles. Momentos em que agi intempestiva ou agressivamente,
perdi a cabeça. Momentos em que descarreguei neles raivas que trazia de outras
pessoas. Mas também aprendi que se esses erros não são o nosso padrão de
comportamento, não têm consequências a longo prazo. Diluem-se em meio às
situações em que predominou a compreensão, a confiança, o afeto.
Menino, reconheço, dá muito mais
trabalho que menina. Menino briga em festa, bebe de cair, experimenta droga,
picha muros, anda de moto, faz besteira, faz bagunça, vai preso. Deixa você
bravo, preocupado, com a pulga atrás da orelha. Menina tem juízo. Nunca
perguntei a nenhuma das meninas aonde iam, com quem iam, que hora voltariam.
Sempre soube que elas tinham mais juízo que eu, que sou menino. Aos meninos eu
também não perguntava, mas com eles o resultado nem sempre foi bom. Devia ter
perguntado. Errei.
Nosso maior sofrimento, no entanto, foi
quando, depois de 21 anos, eu e minha mulher nos separamos. Não avaliei o
quanto seria difícil. E não havia nada a fazer. Foi quando descobri que sempre
há algo a fazer, sim. No caso, era chorar. Não esconder o que eu sentia, nem
julgar a raiva ou a tristeza de cada um deles. Sofrer e chorar juntos, pelo
inevitável, pela impotência, pelo caminho que a vida tomava. Dessa crise,
acredito, saímos todos fortalecidos. Em diferentes momentos, morei sozinho,
morei com os quatro, com dois, com uma das meninas e, finalmente, moro sozinho
de novo. Hoje, além de namorar – sou um velho bem animadinho – minha grande
diversão são meus netos.
Ainda tenho
comigo a grandiosa sensação do dia em que nasceu meu primeiro neto. Se ser pai
nos traz a ilusão de sermos pequenos deuses, pelo milagre que é ver surgir de
nós uma vida, ser avô faz de nós deuses maiores, pois demonstra que a vida que
geramos é outro deus!
Um alerta:
muito cuidado quando você ouvir um avô dizendo que seu neto é a coisa mais
linda do mundo. Não acredite. Ele está sendo parcial, muito pouco objetivo,
influenciado por essa falsa ideia de que produziu milagres. Nenhum deles pode
ter originado a coisa mais linda do mundo, pois a verdadeira coisa mais linda
do mundo são os meus netos.
(republicado a pedidos - eu mesmo pedi)
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