quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Renatão morreu

Morreu o Renato Consorte (não confunda com o filho, homônimo, premiado músico, compositor e arranjador). A última vez que o vi foi numa homenagem feita a ele pela Associação dos Ex-Alunos da Faculdade de Direito da USP, faz uns dois anos, em happy hour no Restaurante Itamaraty, no Largo São Francisco. Gozador como sempre, ele me disse que a bala de fuzil que me atingiu no Rio de Janeiro não foi bala perdida coisa nenhuma, que foi bala de um marido traído. Houve um tempo em que convivíamos muito. Fim da década de 70 e por toda a década de 80, éramos vizinhos no Brooklin, frequentavamos o Clube Açaí, do bairro (ele jogava botcha, eu olhava e depois bebíamos e eu ouvia suas histórias). Muitas das reuniões do movimento dos artistas pela anistia eram na minha casa - minha mulher, Maria Elisa, organizava as visitas que os atores faziam aos presos políticos do Presidio do Barro Branco, e o Renatão estava em todas. A mesma coisa na memorável campanha do Fernando Henrique para senador, em 1978 - prometo contar umas coisas interessantes outro dia. Certa vez o Renatão foi ser paraninfo de uma turma de colegial, e na festa, em pleno baile, num intervalo da orquestra, foi pro microfone e desancou o regime militar. Um pai, fulo da vida, veio aos berros dizer que ele tinha estragado a festa de sua filha. Renatão respondeu: "Mas pra cuquinha dela eu fiz muito bem!". Ele não perdia a chance de fazer um trocadilho, de preferência um trocadilho bem infame, mas vou resistir à tentação de contar um. Ontem o dia foi chato. Eu estava de saco cheio por saber, desde a madrugada, que teria de fazer mais uma cirurgia besta. E de manhãzinha, meu irmão Carlos me ligou de Londrina falando que o Renatão tinha morrido. Eu sabia que ele estava bem mal, mas não adianta pensar nisso. E é inevitável a associação com as outras pessoas do bem que têm morrido ultimamente. Não me conformo mesmo. Não é justo.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Mais uma cirurgia

Amanhã, dia 28, faço mais uma cirurgia. Acho que é a 13.a no trajeto da bala perdida de fuzil que recebi no Rio de Janeiro, dia 30 de junho de 2002. A cirurgia de amanhã tem o objetivo de retirar a placa e os pinos que estão no meu fêmur desde julho de 2002. Essa prótese foi posta ali pelos médicos do Rio que me atenderam nos primeiros 42 dias, num hospital chamado Copa D'Or. Além da prótese, eles fizeram três ou quatro cirurgias de debridamento - tirando coisas como pedaços de metal, plástico, tinta e sei lá mais o quê que a bala trouxe com ela. Antes de entrar no meu corpo, ela atravessou a lateral do carro; eu estava sentado no banco de trás, atrás do meu filho, que dirigia o carro. Só eu fui atingido, graças a meu santo protetor, São Ademar de Barros, que cuida dos moradores do Estado de São Paulo, onde quer que eles estejam, e sobretudoi no Rio de Janeiro. Se você não sabia, cada Estado tem como protetor um santo ex-governador. O dos cariocas é São Leonel Brizola. Bem, eu tenho várias sequelas, já que a bala destruiu, pela ordem cronológica - mas tudo foi muito rápido - parte da cabeça do fêmur, os dois ramos do nervo ciático - por isso uso minha elegante bengala -, o osso púbico e parte da uretra. Foi terrível, o ano de 2002. Os outros tem sido melhores, tanto que estou aqui, me diverrtindo com o assunto e me preparando para mais uma. Acho que faltou exploicar que de dois anos pra cá tenho tido abscessos provocados por coisas que a bala e a cirurgia deixaram - e que o organismo vai expulsando. como essas coisas estão em torno da prótese, agora vamos tentar tirá-la. Há 10% de possibilidade de ela nao sair, devo informar. Me interno amanhã às 15h00, mas meu jejum começa às 11h00 - logo, preciso começar a comer já pra estar bem alimentado e pron to para os cortes, desaparafusamentos e raspagens. Vamos lá...

Costa e Silva

O Marechal Costa e Silva foi o segundo marechal a presidir a República depois do golpe militar de 1964. Naquela época, quando um general de Exército passava para a reserva, era promovido a marechal. Castelo branco também era marechal - ele foi o primeiro escolhido pelos militares para presidente, logo após o golpe. Eram de grupos diferentes, e Castelo não queria que Costa o sucedesse. Castelo era da Sorbonne - um grupo considerado de intelectuais, da Escola Superior de Guerra, que tinha, dizia-se, um projeto para o Brasil. Mas Costa e Silva se impôs - afinal, ele era o ministro da Guerra, quem podia impedi-lo? - e o Alto Comando acabou nomeando-o presidente. Numa viagem a Sampa - que na época se chamava São Paulo -, de cuja cobertura eu participei, como repórter político da Folha - deve ter sido em 1967, mas não confie muito nas minhas datas - um dos membros da comitiva, jornalista, conversando comigo no hotel em que estavam hospedados - o Jaraguá -, me disse que alguém devia perguntar a Costa e Silva qual seria o papel de Castelo em seu governo. A pergunta era uma evidente provocação, mas resolvi fazê-la. No dia seguinte, cedinho, quando Costa e Silva embarcou em Congonhas, evidentemente cercado de seguranças e puxa-sacos, eu me aproximei dele, pedi que me permitisse uma pergunta e fiz, do jeitinho que está aqui: "Qualk será o papel do Marechal Castelo Branco em seu governo?". Ele levou um susto com a ousadia daquele meninão - eu era mesmo um meninão -, depois começou a rir, passou a mão na minha cabeça, dizendo - "Mas que cabecinha é essa para ter essa idéia, não?" - e acabou respondendo: "Mas acho que ele não quer ter nenhum papel mais, está é querendo descansar depois de todo o trabalho que teve na Presidência". Na Folha do dia seguinte, aparecemos eu e Costa e Silva, mais seguranças, assessores e puxa-sacos, todos rindo muito. Que lição podemos tirar desse episódio? Mas que mania de querer tirar lição de tudo agora, pô. Só estou querendo contar uma certa vantagenzinha para quem não leu a Folha naquele dia e se impressiona com a vida fascinante dos jornalistas, tão próximos do poder e sem poder pessoal nenhum.