segunda-feira, 17 de junho de 2013

PROPOSTAS INDECENTES Dia 23 de maio de 2012, a bela fisioterapeuta me recebe com um sorriso, anunciando meu presente de aniversário: “Amanhã você faz 69, e vai ganhar uma massagem especial”. Pergunto: “Não pode ser o contrário?”. Ela me olha confusa: “Como assim, o contrário?”. “Ora, eu faço a massagem especial e ganho um 69!” Ela dá uma linda gargalhada, mas não leva a sério minha proposta, como seria previsível. Enfim, pelo menos eu tentei. Sim, eu estava brincando, mas, sabe-se lá, vai que a conversa segue por outro rumo? Ao peso dos 69 anos, me conformo, e, ainda mais tendo alguns problemas físicos que explicarei melhor mais à frente, boa parte da vida é feita de tentativas. Nem vou dizer que não devemos nos abater pelo insucesso delas (e aqui já não estou mais falando da conversa fisioterapêutica), pois vamos mesmo nos abatendo, debatendo, rebatendo, batendo e combatendo, ou não vivemos. Pois é, 69 anos, e os últimos dez aqui na ilha. Não todo o tempo, que eu não aguentaria. Sempre aceito propostas de trabalho que me levem a outros cantos por um tempo. E mesmo quando elas não surgem, dou minhas saídas para respirar outros ares, ver outras pessoas, cinema, teatro, shows, conversas. E também para periodicamente ver e ser visto pelos meus médicos na grande metrópole. Eles se alternam. Urologista, endocrinologista, geriatra, pneumologista, cardiologista, ortopedista, neurologista, angiologista, dermatologista, fisiatra, psiquiatra. Vou também para fazer inspeção veicular no carrinho que tenho lá, carrinho que me leva para ir ver meus netos e minha mãe, que moram mais ou menos na região. Fico num apartamentinho mínimo, de 28 metros quadrados (que levei 10 anos pagando, só pra ter – exatamente, se eu não engordar muito – um lugar para cair morto, como aconselhavam meus amigos), numa rua central de um bairro com nome de órgão do aparelho urinário, onde eu dormia ao som dos ensaios de uma grande escola de samba, das brigas de bêbados com suas bêbadas e, vez por outra, tiros e sirenes policiais. A área era dominada por cortiços, sex-shops e treme-tremes. Agora está sendo demolida e reurbanizada, cheia de belos novos edifícios, esvaziando-se do charme da pobreza e se povoando do charme burguês. O metro quadrado, nos últimos meses, teve seu valor quintuplicado. Meu gracioso predinho, antes um tanto constrangido em meio aos deteriorados casarões dos cortiços e ao imenso e à noite febricitante conjunto de treme-tremes, agora parece mais alegrinho, embora um tanto humilhado com a chegada de seus luxuosos e arrojados vizinhos. Eu adorava o jeitão anterior, a música sertaneja e o forró berrando nos fins de semana, a dança nas ruas, os travestis decadentes, a modesta marcenaria, a precária farmácia, o mercadinho-bazar, o mecânico, os peões pra tudo que me resolviam os problemas de encanamento, eletricidade e pequenos consertos domésticos. A debandada é geral, a demolição é geral, a metrópole está na undécima de suas infinitas reconstruções, e não perdoa. Como a Iracema do Ceará do Chico, terei saudade, mas não muita. Novos restaurantes, cafés, jardins e outras delícias burguesas preencherão meu tardio lado emergente e me confortarão, nas periódicas idas à metrópole. Na ilha, tenho um carro maior e mais alto, para enfrentar as ruas de terra, esburacadas, empoeiradas quando faz sol e inundadas e enlameadas quando chove. É aqui que escrevo. Minha casa tem quatro suites, geralmente vazias, mas minha solidão é periodicamente confortada pela presença dos amigos, filhos e netos, sobretudo nas temporadas de verão, quando eles vêm aproveitar as dezenas de praias, lagoas, dunas e trilhas de montanhas, outras ilhas, paisagens deslumbrantes, baleias, golfinhos, bons restaurantes de peixes, lagostas, camarões, mariscos, ostras, sushis e sashimis, ceviches, moquecas, caldeiradas. Meus netos brincam também no gramado, pesquisam insetos, correm atrás dos beija-flores, eventuais tucanos, borboletas e louva-a-deus, colhem frutos das árvores. Me fazem feliz. Ao longo do ano, quando na ilha, revezo-me da solidão para o amor – este mais nos fins de semana. Tenho fisioterapia todos os dias de semana (sábado e domingo, folga para namorar), e atualmente estou fazendo, conforme os ditames contemporâneos, não regime, e sim reeducação alimentar. Regime, só fiz uma vez na vida pra valer, com um médico judeu meu amigo – mas que comigo fingia ser nazista, para efeito do regime. Em quatro meses, baixei de 105 para 75 quilos. Hoje o nutricionista me explica que aquilo foi uma loucura, pois emagrecimento tão rápido avacalha todo o metabolismo e implica necessariamente em perda de massa magra, o que de forma alguma é recomendável. Deus me livre. Mas também não é fácil a tal de reeducação. Praticamente não se pode fazer outra coisa, pois são oito refeições por dia em horários determinados. Uma delas tem de ser 40 minutos antes da fisioterapia, outra um segundo depois da fisioterapia, outra meia hora depois. Qualquer outro compromisso, pois – de ir comprar as coisas para comer, por exemplo, bagunça tudo. Por isso, tenho direito a três furos por semana – ou seja, bagunçar só três refeições, em 56! Convenhamos que é muito pouco. Mas funciona (também, só faltava não funcionar, não é mesmo?). Fiz com a namorada uma viagem de seis dias à Espanha e apenas tentei não sair demais dos horários e ingredientes, no limite do possível. Pelo menos não engordei. Mas cumprir tudo direitinho é obviamente impossível. Ainda bem que o nutricionista é um moço benevolente, sangue 100% latino, peninsular, e até hoje não me lançou nenhuma imprecação maior. Nossa meta é eu emagrecer uns 2,5 quilos por mês. Meu plano secreto (não conte a ninguém) é chegar aos 70 anos com dois dígitos. Iria me deixar mais lépido, fagueiro e confortável na convivência com minha deficiência física. Quem viver verá.

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