terça-feira, 18 de junho de 2013

MENTIRAS TERAPÊUTICAS


Impossível não mentir. Por trás de tudo o que sinto há um imperceptível preconceito que me faz ser injusto. E, talvez pior, por trás do que penso há um desejo, que me faz pensar torto. E aí, queira ou não, minto. Minto quando conto o que vi e vivi, e quando exponho minhas precárias teorias. Seleciono o que confirma minhas ideias e realiza meus desejos. Recordo o que recordo, não o que ocorreu, e, assim, o que quero que tenha ocorrido produz a mentira.

Por isso tento (nem sempre consigo) evitar nomes, sobretudo os de quem não está bonito em minhas memórias fotográficas. Nomeados injustiçados ficam sem defesa – ou você já viu um desmentido limpar o nome de alguém? 

E por que conto? Para rir, chorar e dividir dores e prazeres com você, e assim ficarmos menos sós.  Contar me faz bem. Drummond diz mais ou menos o seguinte: "Não me considero um escritor. Sou apenas uma pessoa que escreve. Que escreve porque tem de escrever, e que começou a fazê-lo para cuidar das necessidades da alma. Como uma psicoterapia sem divã. Mesmo porque nesse tempo não havia psicanalista em Minas".

Escrever sempre me foi terapêutico. Adolescente, eram cartas e cartas para amigos e amigas distantes, tios, tias, primos e avós – além das sobras de páginas dos meus cadernos de escola, quando escrevia para mim mesmo. Ajudava-me a sair da depressão e da confusão. E ainda ajuda.

Certa vez, já adulto, encontrei um caderno de escola dos meus 15 anos, se tanto, em cuja última página alinhei as "Razões para renunciar à Presidência do Grêmio Literário e Recreativo Filadélfia". Viajei por aquele rico momento do passado, recordando como o pequeno texto me ajudou a não renunciar, e a ressignificar e enfrentar melhor as pressões que sofria, a insegurança, as brigas com os professores, as decepções com colegas, a impotência, a solidão e o desamparo. O quanto meus escritos – e mais os derramados sambas-canções de sabor nelsongonçalviano e adelinomoreiresco que eu compunha na época – me ajudaram a tomar as primeiras grandes decisões da vida.

Fazer música – algumas delas até com certo grau de qualidade - tinha função semelhante. Na faculdade de psicologia tive dois anos de Estatística, e era, sabe-se lá por quê, a disciplina mais difícil do curso, com professores rigorosíssimos, empenhados a nos convencer de que, em matéria de psicologia, nada pode ser mais importante do que um desvio padrão, um teste de proporção ou um “fi” - não me pergunte o que é fi, por favor. Maluquices do nosso ensino, pois nem eu nem nenhum dos meus colegas nunca usou nada daquilo. Um dia tive uma briga feia com um dos professores, que cometera erros grosseiros na correção de uma prova minha (ele não conseguia entender meus rascunhos, feitos no verso da prova, e por isso anulou várias das minhas respostas. Deu-me um trabalhão explicar meus peculiares raciocínios que justificavam as respostas, todas corretas). Ganhei a briga, mas a raiva restante ainda era grande, e no dia da última prova compus uma marchinha que começava assim: "Adeus, Estatística, não quero mais te ver. Não sei como te aguentei dois anos, Estatística. Por mim, você pode morrer!". Ensaiei com alguns colegas, e cantamos no pátio para os professores. Saudabilíssima vingança.

Pois então, sigo por aí, me adoecendo e me curando...

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