sábado, 14 de fevereiro de 2009

vezes e repetições

depois do fuzilamento e das primeiras cirurgias, lá em 2002, havia muitas dúvidas sobre o que eu seria capaz de fazer. no hospital do rio, por exemplo, o urologista disse ao meu irmão que eu ficaria sexualmente impotente. não aconteceu. não sou o rei dos garanhões, mas talvez merecesse o título de conde - vá lá, marquês - dos não garanhões, o que já é alguma coisa. amigos meus, na época, acreditando na versão da impotência, começaram a dizer às amigas e amigas das amigas que eu estava impotente. impressionante como, algum tempo depois, comecei a ser assediado. as mulheres são realmente maravilhosas. sexualmente, estão séculos à frente dos homens (honrosas e desonrosas exceções, para ambos os sexos, OK?). primeiro, porque têm esse interesse, essa curiosidade, essa generosidade de procurar os homens que sabem (ou pensam) que tem problemas na área sexual. segundo, porque para elas, em geral, o que realmente interessa - muito mais do que o prazer especificamente sexual - é o afeto, o carinho, as trocas, os toques, a suavidade. temos muito a aprender com elas. e que bela escola.
a outradúvida, essa menos falada, é se eu voltaria a andar. claro, esse medo era maior, porque sem transar voce perde muita coisa, mas sem andar voce pode até perder as transas. e nisso a fisioterapia foi fantástica. grande parte de meu retorno a uma vida quase normal se graças a um dedicado e amigo fisioterapeuta, que cuidou de mim nos primeiros tempos, creio que durante quase um ano. paciente e eficientemente, ele foi propiciando desde movimentos muito pequenos, chatinhos, bobos, até o dia em que passei a acreditar que andaria. foi na primeira vez em que, estando só em casa, sentado, levantei-me e me sustentei nas duas pernas. alguns dias depois, eu consegui dar os primeiros passos, sem o andador. no dia seguinte exibi a façanha para o meu irmão, ele caiu no choro e me confessou que achava que eu não andaria mais. lembro-me também de um momento crucial, no corredor de um hospital, em que a fisio me disse que eu poderia andar mais, e sem apoio nenhum (eu consigo mesmo, mas depois de um tempo preciso da bengala). dito e feito. grande emoção. tenho, portanto, uma grande gratidão pelos fisioterapeutas. agora mesmo, depois de tirar a placa e os pinos, tive de ir fortalecendo novamente a musculatura (e também o osso "desemplacado") da coxa esquerda. e o progresso é muito rápido, eu quase já me sinto um ser humano quase normal de novo. mas tenho o orgulho de estar também ensinando uma coisinha aos fisioterapeutas. sempre que eles nos dão um exercício (por exemplo, levantar a perna, respirar e abaixar a perna), eles nos dizem o numero de vezes que temos de fazê-lo, enunciando: "quinze repetições". entao eu pergunto: faço 16 vezes? eles respondem: não, são quinze. então eu, orgulhosamente, corrijo: portanto, é uma vez e catorze repetições, pois a primeira vez não é uma repetição. todos concordam. mas o forte das faculdades de fisioterapia não é nem deve ser a precisão das palavras, e sim a precisão dos exercícios. implicância com palavrinhas é a especialidade de velhos chatos, alguns até paralíticos, daqueles que escrevem cartas para os jornais, como eu, saudosos do tempo em que os professores falavam a lingua portuguesa, e assim tinham como ensiná-la aos alunos.

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