segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

escrever grogue

é gozado escrever aqui do quarto do hospital, grogue como estou agora. no meio de uma palavra, as vezes durmo. no texto - talvez - o branco nao fica claro, mas o branco vem e vai. nestas condições não posso fazer nada profissional, nenhum texto mais responsável, mas blog sim - inda mais que volta e meia sou interrompido, para olharem temperatura, pressão, observar a pele, os tres drenos (já está saindo menos sangue, talvez eu me livre dos drenos hoje), os curativos, a entrada do catéter, que ameaça irritar a pele em volta, ou pra falar sobre os exames, ou visitas, ou minhas vontades de fazer xixi e outras vergonhas. vergonha. lembro que a primeira vez que vi meu pai nu foi após a primeira cirurgia dele de cancer. ele já tinha 78 anos e fui ficar com ele no hospital. foi em 1988, logo eu tinha 45 anos- e nunca tinha visto meu pai nu. chorei (ainda choro, lembrando) de ver a vergonha dele - não de mim, que afinal de contas era seu filho, mas da enfermeira que jogava agua nele, para que tomasse banho. ele nu, totalmente desprotegido, constrangido, tentando esconder a chamada genitália, que na verdade consiste em pau e testículos, nao tem genitália nenhuma. no hospital nao podemos esconder nada, nem a genitália nem a bundália, que fica exposta aos cuidados de mulheres e homens que nunca vimos, e que pouco veremos - espera-se - no futuro. amigos espiritualistas, volta e meia - também em palestras de vez em quando a pergunta, de uma ou de outra forma, surge - querem saber que lição, que aprendizado eu tenho tirado dessa experiencia de levar tiro de fuzil, ficar com essa sequelada toda e ter de adaptar minha vida a esse monte de restrições. nunca sei bem o que responder sem ser muito agressivo ou desrespeitoso as crenças deles. mas estou pensando agora que expor a genitália e a bundália a desconhecidos deve mesmo conter alguma lição de vida. e em alguns momentos, sente-se uma certa elevação espiritual. como o momento em que, no rio, numa noite em que técnicos e auxiliares deviam estar totalmente ocupados, quem limpou minha bunda foi uma jovem, afetuosa, linda, culta e competentíssima enfermeira, aliás chefa da enfermagem. momentos desses quase me fazem acreditar, pelo menos em anjos.

3 comentários:

  1. Nunca imaginei que ia ficar tão bem de coruja!
    E dá um alívio enorme saber que o seu humor é o mesmo...
    E vou te ligar agora.

    Beijo da Amanda - na torcida.

    ResponderExcluir
  2. anjos.
    você falou em anjos.
    me lembrei de algumas experiências angelicais por esta briza de vida afora, Ruy.
    todas as centenas, milhares, sei lá quantas vezes, precisei de um ombro que falasse, uma cabeça que raciocinasse quando eu mesma não podia, havi um anjo por perto. hoje eu sei, tenho certeza de que não são invenções. estão presentes vestindo-se de seu melhor amigo, muitas vezes também de seu mais ferrenho "inimigo"...qualquer coisa que um anjo faça por você, será para sempre. imutável. como aquele dia, longas noites atrás, que liguei para você ainda em Sampa, e entre um choro e outro, contei do meu neto, o Caio, lembra? pois então. tinha um anjo do outro lado da linha com você.
    viu só?
    bobo...crente que seria o único a testemunhar casos e causos? ha ha ha
    beijos, Ruy.

    Val

    ResponderExcluir
  3. ok, ok...tira o z do brisa. credo! como erro assim, justo com vosmicê? dislexia, eu lhe diria...virtual.

    ResponderExcluir