O VINHO ROUBADO
Um dia qualquer da década de 60. A Folha havia publicado uma notinha anunciando a Festa do Vinho de São Roque. Peguei o telefone e liguei para o ramal de Lulu (não vou dizer o nome verdadeiro dele, tá?),o chefe de Reportagem da manhã (conhecido por ter quatro empregos públicos e por “criar” reportagens apenas usando pastas do arquivo do jornal – mas cobrando táxi, como se tivesse ido fazer entrevistas fora). Lulu era louco por um brinde. Certa vez, mandou-me para uma entrevista coletiva na sede do Sindicato da Indústria Calçadista, e o presidente do Sindicato deu um tíquete para cada jornalista presente retirar um par de sapatos na sua fábrica. Recusei, dizendo que nem se eu estivesse fazendo aniversário aceitaria. Ele insistiu, eu rasguei o tíquete. Os demais aceitaram, e um velho jornalista ainda me olhou feio, afirmando: “Bem, eu não sou orgulhoso!”. Feliz por achar que tinha dado uma lição de ética aqueles picaretas todos, cheguei à Redação e contei ao Lulu o que tinha acontecido. Avisei também que eu não ia escrever nada, porque a entrevista não tinha o menor interesse. Lulu lamentou: “Por que você não trouxe o tíquete para mim?”
Bem, mas voltemos ao trote, pois esse era o meu objetivo ao pegar o telefone, naquela ensolarada manhã. Disse-lhe que era da “Empresa Vinhos de São Roque” e que queríamos, em agradecimento pela nota publicada, enviar uma caixa de vinhos para o Chefe da Reportagem. Perguntei o nome do destinatário do vinho. Falando baixo, ele escandiu: Lú-cio. Lú-cio Mar-ques. Avisei que logo o caminhão entregaria no endereço que ele deu – Barão de Limeira, 425. Enfiou um cigarro na piteira e começou a caminhar pela redação, ansioso pela chegada do vinho. Quinze minutos depois, liguei para a portaria do prédio e fingi estar ligando do prédio ao lado – que abrigava as demais redações do Grupo Folhas. Pedi para avisar o Lúcio que, por engano, haviam entregado uma encomenda em nome dele na redação da Última Hora, que ficava no segundo andar. Em seguida liguei para a Última Hora e disse que, por engano, uma caixa fora entregue, em nome do Sr. Lúcio Marques (continua não sendo o nome verdadeiro), e que estava escrito “Chefe de Reportagem do Jornal Ultima Hora”, na portaria do Hotel, que ficava na Avenida Duque de Caxias, a uns trezentos metros da Folha. Lúcio seguiu todo o percurso e voltou para a Redação esbaforido. Roxo de raiva, repetia: “Me roubaram uma caixa de vinhos!”
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