terça-feira, 7 de abril de 2009

A FOLHA APOIA O SERRA?

E-MAIL ENVIADO A AMIGO EM QUEM CONFIO:
Grande Duarte,
falsear a verdade, em seguida generalizar a partir do fato falseado e com isso ir montando uma versão que acaba sendo completamente falsa da história, para servir a objetivos políticos em que, sinceramente, cremos, é precisamente a prática que devemos evitar, na minha opinião. É assim que acabamos nos dividindo, desnecessariamente, marginalizando pessoas que poderiam ser aliadas e facilitando a vitória do verdadeiro inimigo. Olhar para a mídia como se fosse uma unidade e vê-la como um braço da campanha do Serra - e olhar para o próprio Serra e o PSDB (ou para a Dilma e o PT) com esses olhos totalizadores e sectários só vai nos dividir mesmo. É fácil fazer isso, e se convencer de que se está fazendo a boa política, porque, afinal, os fins não justificam os meios? Bem, não justificam não. Eu também prefiro o trabalho maior que dá falar a verdade e eventualmente não saber o que fazer com ela, porque a verdade não nos facilita as decisões mesmo.

Trabalhei na Folha de S. Paulo (o Folhão, que fique claro), de 1963 a 1969. Fui copydesk, repórter e nada mais. De politica, de polícia e geral. Nada mais. Nunca tive cargo de chefia. Na AP, eu era primeiro considerado militante (ingressei a partir da Ação Católica, ou seja, da JUC, núcleo da Faculdade de Direito da USP, onde entrei aos 17 anos, em 1961, formando-me aos 22, em 1965), e depois, quando as coisas se definiram melhor, e a hierarquia da organização mais rígida, me comunicaram que eu era considerado apenas simpatizante, mas isso é outra história.

O que quero te dizer é que não acredito que Otávio Frias de Oliveira, o pai (muito menos o filho, que era então menino) tenha, em momento algum, emprestado à Polícia Política ou à repressão carros da Folha - de nenhum dos 10 veículos de comunicação que o grupo Folhas chegou a ter na época, a saber, Folha de S. Paulo, Folha da Tarde, Noticias Populares, Ultima Hora, UH - Edição da Tarde, Cidade de Santos, A Gazeta, A Gazeta Esportiva, Radio Gazeta, TV Gazeta (estes últimos quatro, graças a uma concorrência ganha quando Frias foi eleito presidente da Fundação Casper Líbero - concorrência preparada especialmente para expandir o grupo Folhas). Duvido que alguém possa provar isso, e explico por quê: Frias pôs, sim, no comando de um de seus jornais, por pressão das autoridades militares, determinados jornalistas que eram também policiais - policiais mesmo, agentes, investigadores do Dops, funcionários da Secretaria da Segurança, como Antônio Aggio Jr. e Carlos Dias Torres - o primeiro dirigiu a Folha da Tarde, e o segundo foi seu chefe de Reportagem. E eles levaram para lá outros policiais-jornalistas que trabalhavam antes na Folha. É bem possível, e nisso sim eu acredito, que esses policiais - e quando digo policiais não os estou acusando de nada, pois eram mesmo policiais, profissionais da repressão - tenham utilizado os carros da Folha da Tarde em atividades policiais. Utilizaram para fins policiais os próprios jornais, como é sabido. Por exemplo: davam notícias falsas de fugas de presos que na verdade estavam sendo (ou ainda seriam) retirados de suas celas para serem simplesmente executados. Isso são fatos sabidos e constam de autos de processos. Não estou dizendo que quem fez isso foi o Aggio ou o Torres, mas sim que o jornal publicou noticias como essas, falsas, para limpar a barra da repressão. Para dar a impressão de que aqueles presos haviam fugido e trocado tiros com a policia. E este é apenas um exemplo. Até onde sei e vi, foi o que aconteceu.
Do nosso lado, ou seja, da esquerda, para ser justo, relembro um fato menor, mas que é verdadeiro também: durante as passeatas estudantis, o jipe da Ultima Hora - Edição da Tarde (que tinha como chefe de redação o nosso militante, da AP, Humberto Kinjô), além de levar repórter e fotógrafo, dava apoio aos estudantes, levando coquetéis molotov, pedras etc. para que eles eventualmente utilizassem nas manifestações. Quando o repórter Celso Kinjô, também membro da AP, um fotógrafo e um motorista da UH foram presos (e nós em seguida realizamos um amplo movimento para libertá-los, que incluiu acamparmos em frente à Auditoria Militar e depois em frente à casa do governador biônico Abreu Sodré), objetos desse tipo foram apreendidos. Conto isso não para diminuir a culpa do Frias por ter feito com os militares o acordo que fez, pondo um de seus jornais a serviço da policia política, mas para deixar a verdade do tamanho que tinha, e não maior. A Folha de S. Paulo não pode ser confundida com a Folha da Tarde - nem com a Ultima Hora. A UH, diga-se de passagem, não foi objeto de nenhum acordo parecido com a esquerda ou com a AP. A filiação do Humberto, ou a minha, à AP eram opções pessoais, e nunca tivemos, como organização, acordo algum com o Frias nem com os demais diretores da empresa. Apenas havia uma ligação óbvia entre os jornalistas e os estudantes da AP, além do fato de que éramos, na época, jornalistas e estudantes simultaneamente - no meu caso, até me formar, em 1965.
De qualquer forma, olhar de forma unitária para a mídia, ou para a Rede Globo, ou para o Grupo Folhas, sem ver que quem está lá dentro escreve as notícias, edita, manipula a informação - eventualmente por incompetência, eventualmente por corrupção, eventualmente por simpatias ou opiniões pessoais - é uma simplificação grosseira. Nós, jornalistas, sabemos que não são os Frias, os Mesquita e os Marinho que fazem as reportagens e as editam. Sem negar que há momentos e ocasiões em que, de fato, o patrão obriga a dar certas notícias e assume compromissos políticos ou com grupos econômicos, seríamos todos uns canalhas se tivéssemos dedicado nossas vidas na grande imprensa a servir as transnacionais e a direita. Pelo contrário. A maioria das informações e dos dados utilizados pelos que querem dar da mídia essa imagem conspiratória são obtidos nessa mesma mídia. Chega a ser engraçado o quanto esses argumentadores da conspiração citam artigos publicados nos grandes jornais para dizer que nada saiu nos grandes jornais. Na Internet, então, é comum receber artigos dizendo: o Alexandre Garcia foi demitido da Globo porque fez o comentário anexo. (E o Alexandre Garcia continua na Globo). Ou: o Estadão se recusou a publicar o texto do João Ubaldo anexo. E quem leu o Estadão já tinha lido o artigo no Estadão. Com expedientes desse tipo se alimentam os mitos que querem impor como verdade, imaginando que com isso servem a um objetivo maior - e só fazem,. assim, apequenar o objetivo.
abração do
ruy fernando barboza

Um comentário:

  1. Ruy querido, esse seu texto esclarece, de maneira clara, algumas dúvidas que tinha...
    Bom demais te ler, saudades

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