quarta-feira, 1 de julho de 2009

Alberto El Gato Carbone

Chega um ponto na vida em que os amigos começam a morrer, e essa coisa é como o tal fogo morro acima. Depois não vai mais dando tempo de chegar aos amigos antes da morte (deles). Ultimamente tem acontecido muito mais do que eu mereço. Lembro de um amigo querido que não vejo há muito tempo, tento matar a saudade e que nada. A saudade fica imortal, porque o amigo se foi. Anteontem, decidi-me a procurar e encontrar de qualquer jeito um personagem que só quem conheceu sabe a maravilha que era. Ficamos amigos na primeira vez que saí do Brasil, para ter emoções que também só quem viveu saberia. Sair daqui em plena ditadura Garrastazu Medici para presenciar e vivenciar, aqui mesmo do ladinho, o ultimo surto de democracia uruguaia antes do golpe militar bordaberrista, a campanha da Frente Ampla, ainda com os tupamaros e tupamaras aprontando o diabo, operários tomando a universidade e coisas que tais. Um dia conto melhor, mas preciso dizer que participei de reunião com o Mario Benedetti (outra maravilha), entrevistei longamente o Eduardo Galeano - que ainda não escrevera o Venas Abiertas, o velhinho economista Vivian Trías (que acabara de publicar um livro prevendo a Queda do Império e propondo a nacionalizaçao dos bancos) , o senador Zelmar Michelini (assassinado depois pela AAA argentina), sem falar no Wilson Ferreyra Aldunate e no general Liber Seregni e mais um montão de gente, com o coraçao aos pulos de felicidade. Pois quem me abriu dezenas de portas no Uruguai, me recebeu em casa e me levou a todos os lugares, foi o Alberto Carbone, que na época trabalhava no diário La Idea - tive o orgulho de sentar-me ao seu lado e ajuedá-lo a redigir a manchete de uma das edições, anunciando a fuga da prisão, por um túnel, de 74 mulheres tupamaras, brincando com um famoso anuncio de café (o Saint-Café) que terminava com uma frase em português - era um brasileiro dizendo que o que gostara mais no Uruguai era o café, "E As Mulheres Também, Há!". Era um espírito militante e inflamado, adorava um bom vinho, um mate, uma grapa. E cozinhava belos assados. Tempos depois, foi minha vez de recebêlo no Brasil. Abrimos para ele as portas do Departamento de Documentação da Abril, então gerenciado pelo bom amigo e belo caráter que é o jornalista Juca Kfouri, e Carbone ficou morando meses em minha casa, depois na casa de meu irmão, e tentamos retribuir a generosidade e a hospitalidade uruguaia. Depois ele foi morar na Argentina, e de vez em quando nos mandava um fugitivo do regime, que tentávamos ajudar ou encaminhar como podíamos. Um deles foi o talentoso compositor e cantor Poni Micharvegas, abrigado por meu amigo Oswaldo Catan, que conseguiu levantar uma boa grana para que ele se mudasse para a Espanha. Pony chegou a fazer um belo show na Bahia, creio que no Teatro Castro Alves, graças a Catan. Mas perdi o contato com Carbone, embora soubesse que ele continuava morando na Argentina, onde seguia com sua carreira jornalística. Anteontem, como dizia, decidi procurá-lo, pensando em revê-lo, ou ao menos telefonar-lhe e charlarmos um tanto, como merecemos. Então descubro, pelo Google, que na os Argentinos lhe acrescentaram o apelido de El Gato, que publicou um belo romance, que teve quatro filhos, netos e netas e, bosta, que morreu de câncer no dia 16 de abril de 2005. Nessa época, professava uma doutrina anarquista-cristã-peronista, que seus amigos mais proximos, militantes e intelectuais que escrevem sobre ele, confessam não entender muito bem. Mas tipos como Carbone não precisam ser entendidos. Vieram, como alguns outros santos amigos que tenho por aqui, só para nos fazer bem, amar-nos e serem amados, com esse imortal afeto e eterna saudade.

2 comentários:

  1. Bom dia Ruy!Tudo bem?Sou o Marcos Amaral amigo dos Mestres do Lingua de Trapo e atraves do Laert e do Sergio achei seu Blog,, preciso falar com vc a respeito da sua obra Pederasta,,o Laert falou pra mim que vc ta em Florianopolis peço a vc me passar seu telefone por email.;marquinhos@spbancarios.com.br abraço obrigado!!

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  2. É meu caro Ruy, internet tem dessas coisas, uma rápida busca no google ou no cuil e descobrimos uma série de coisas sobre aquele amigo que não víamos há tanto tempo... Descobrimos inclusive que o mesmo não se encontra mais entre nós.

    Fico me perguntando o que é melhor ou pior, ter a certeza (após alguns cliques) que a pessoa faleceu, ou, como se fazia antigamente, quando se tinha um amigo ou parente que há muito havia ido embora e o que dava pra fazer era publicar um anúncio num periódico de grande circulação e alimentar as esperanças que o dito cujo reapareceria...

    Abraço,

    Pablo

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