terça-feira, 14 de julho de 2009

A FAVOR DA EUTANÁSIA

Anteontem vimos Há Tanto Tempo que te Amo (?), filme francês dirigido pelo escritor PhiliPpe Claudel e com aquela ótima e de olhos bonitos atriz do A Fraternidade é Vermelha. Há um certo suspense em torno do fato de que ela matou o filhinho porq1ue ele tinha uma doença terrível e fatal, mas, por alguma razão, logo que ela conta que matolu o filho achei que só podia ser eutanásia. Eles não iam pôr uma mulher bonita e interessante daquele jeito, mesmo o filme sendo francês, matando um filho por maldade. Só podia ser por bondade, e era. Coincidência. Eu há poucos dias conversava com o Carlos sobre a necessidade de adotarmos a eutanásia, pelo menos entre os amigos. Não é justo deixarmos pessoas ótimas sofrendo, agonizando, anos a fio, sem esperança alguma de cura ou melhora. O filme é meio bobo (embora tanto uma pessoa ao meu lado na fila do cinema tenha recomendado, “é lindo, é lindo”, e em seguida um casal de amigos queridos que encontrei, “é lindo, é lindo”. É meio bobo imaginar que uma mãe mata o filho e depois se cala sobre os motivos e passa calada 15 anos presa pelo assassinato. É bobo também imaginar que uma criança fica agonizando até a mãe matar e ninguém mais fica sabendo, nem o marido, nem a irmã, nem amigos, nem empregada, ninguém. Bobagem. Bom, mas é lindo, tudo bem. Eu e Sílvia concordamos, ao voltar na chuvinha e frio para casa, que não nos referiríamos ao filme como é lindo. Mas tudo bem, é lindo.
No cinema comprei o livro Flores, do mexicano Mário Bellatin, e já estou lendo. É lindo. Ele não cita nominalmente a Talidomida, mas é uma excelente ficção em torno das vítimas da talidomida, aquele calmante que deram a milhares de grávidas em todo o mundo nos anos 50, e que produziram aqueles milhares de crianças sem braços nem pernas, ou com pedaços retorcidos de braços e pernas. O livro fala, no trecho que acabei de ler, de uma mãe italiana que jogou o filho sul-americano adotado nos trilhos do metrô. Coincidência. É trágico, é... lindo?
Mas, de qualquer forma, a eutanásia em que pensamos, eu e Carlos, é para nós, velhos, mas não agora, por favor, não distorçam as minhas palavras, não as usem no momento errado, é para quando estivermos agonizantes, pois não queremos ficar como aqueles lamentáveis velhos e velhas naquele ambiente horroroso de casas de repouso, gemendo, tremendo, esquálidos, inexpressivos, sobreviventes. Queremos a eutanásia, enquanto ainda estamos nos divertindo um tanto.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Alberto El Gato Carbone

Chega um ponto na vida em que os amigos começam a morrer, e essa coisa é como o tal fogo morro acima. Depois não vai mais dando tempo de chegar aos amigos antes da morte (deles). Ultimamente tem acontecido muito mais do que eu mereço. Lembro de um amigo querido que não vejo há muito tempo, tento matar a saudade e que nada. A saudade fica imortal, porque o amigo se foi. Anteontem, decidi-me a procurar e encontrar de qualquer jeito um personagem que só quem conheceu sabe a maravilha que era. Ficamos amigos na primeira vez que saí do Brasil, para ter emoções que também só quem viveu saberia. Sair daqui em plena ditadura Garrastazu Medici para presenciar e vivenciar, aqui mesmo do ladinho, o ultimo surto de democracia uruguaia antes do golpe militar bordaberrista, a campanha da Frente Ampla, ainda com os tupamaros e tupamaras aprontando o diabo, operários tomando a universidade e coisas que tais. Um dia conto melhor, mas preciso dizer que participei de reunião com o Mario Benedetti (outra maravilha), entrevistei longamente o Eduardo Galeano - que ainda não escrevera o Venas Abiertas, o velhinho economista Vivian Trías (que acabara de publicar um livro prevendo a Queda do Império e propondo a nacionalizaçao dos bancos) , o senador Zelmar Michelini (assassinado depois pela AAA argentina), sem falar no Wilson Ferreyra Aldunate e no general Liber Seregni e mais um montão de gente, com o coraçao aos pulos de felicidade. Pois quem me abriu dezenas de portas no Uruguai, me recebeu em casa e me levou a todos os lugares, foi o Alberto Carbone, que na época trabalhava no diário La Idea - tive o orgulho de sentar-me ao seu lado e ajuedá-lo a redigir a manchete de uma das edições, anunciando a fuga da prisão, por um túnel, de 74 mulheres tupamaras, brincando com um famoso anuncio de café (o Saint-Café) que terminava com uma frase em português - era um brasileiro dizendo que o que gostara mais no Uruguai era o café, "E As Mulheres Também, Há!". Era um espírito militante e inflamado, adorava um bom vinho, um mate, uma grapa. E cozinhava belos assados. Tempos depois, foi minha vez de recebêlo no Brasil. Abrimos para ele as portas do Departamento de Documentação da Abril, então gerenciado pelo bom amigo e belo caráter que é o jornalista Juca Kfouri, e Carbone ficou morando meses em minha casa, depois na casa de meu irmão, e tentamos retribuir a generosidade e a hospitalidade uruguaia. Depois ele foi morar na Argentina, e de vez em quando nos mandava um fugitivo do regime, que tentávamos ajudar ou encaminhar como podíamos. Um deles foi o talentoso compositor e cantor Poni Micharvegas, abrigado por meu amigo Oswaldo Catan, que conseguiu levantar uma boa grana para que ele se mudasse para a Espanha. Pony chegou a fazer um belo show na Bahia, creio que no Teatro Castro Alves, graças a Catan. Mas perdi o contato com Carbone, embora soubesse que ele continuava morando na Argentina, onde seguia com sua carreira jornalística. Anteontem, como dizia, decidi procurá-lo, pensando em revê-lo, ou ao menos telefonar-lhe e charlarmos um tanto, como merecemos. Então descubro, pelo Google, que na os Argentinos lhe acrescentaram o apelido de El Gato, que publicou um belo romance, que teve quatro filhos, netos e netas e, bosta, que morreu de câncer no dia 16 de abril de 2005. Nessa época, professava uma doutrina anarquista-cristã-peronista, que seus amigos mais proximos, militantes e intelectuais que escrevem sobre ele, confessam não entender muito bem. Mas tipos como Carbone não precisam ser entendidos. Vieram, como alguns outros santos amigos que tenho por aqui, só para nos fazer bem, amar-nos e serem amados, com esse imortal afeto e eterna saudade.