quinta-feira, 27 de junho de 2013

PERGUNTAS E RESPOSTAS 4


ESPAÇO INVADIDO 

Meu namorado mora com um grande amigo e os dois sempre dividiram as despesas. Meses atrás o amigo levou a namorada para a casa deles: ela usufrui de tudo e não arca com nada. O casal domina os ambientes comuns,  como a cozinha e a sala, que foram mobiliados e equipados pelo meu namorado. Agora, ele só fica à vontade em seu quarto, mas não quer magoar o amigo e vai levando. Eu não suporto a situação: além de não gostar de vê-lo morar sob o mesmo teto com outra mulher, saber que ele a sustenta me deixa mal.
A situação é visivelmente injusta, mas seu namorado está aguentando. Parece que tem de ser “bonzinho” cedendo ao casal um espaço que é legitimamente dele (e que de vez em quando você acredita que também é um pouco seu, não?). O melhor que pode fazer é revelar suas emoções: o ciúme, a mágoa, a raiva – que sente do amigo e da namorada e também, certamente, dele, que permitiu que tudo chegasse a esse ponto. Se você se colocar, seu namorado perceberá que é ele quem tem de mudar de atitude – dando limites aos dois e fazendo um acordo de convivência diferente do atual. Pode sugerir, por exemplo, que a despesa seja dividida por três e o espaço de cada um mais bem distribuído. Se o outro rapaz se incomodar com isso, a pergunta é: vale a pena ter um “grande amigo” assim?
 

Tive uma paixão há mais de 20 anos. Namoramos, ficamos noivos, mas acabamos nos separando, pois brigávamos muito. Mudei de cidade, casei com outro, me separei e agora estou sozinha. A surpresa é que meu antigo namorado conseguiu me localizar e quer me encontrar. Está casado e com três filhos, mas me liga direto, me envia e-mails, diz que nunca me esqueceu. Acho que se estivesse feliz e bem-casado não me procuraria, mas estou em dúvida.
Pense primeiro no que você quer para você. Se é uma relação mais profunda, namorá-lo enquanto está casado não vai ser de grande utilidade para você. Por um lado, pode servir de “complemento” para o casamento, dando-lhe o amor e o sexo que estão faltando - é a razão pela qual muitos homens e mulheres trocam eternamente de amante, e nunca de cônjuge. Por outro lado, não vai ajudá-la a saber se vocês brigariam menos hoje do que há 20 anos, pois estarão convivendo muito pouco. O ideal é que ele resolva as questões com a esposa (independente do que pretende com você), decida se pretende ficar com ela ou não, e, se for o caso, se desimpeça para tentar uma nova relação. Com o possível risco de vocês voltarem a brigar e romperem de novo. É da vida.
 

Minha melhor amiga ganhou uma bolsa de estudos e ficou um ano na Europa. Profissionalmente foi importante, mas perdeu o namorado. Eu sempre planejei estudar fora, mas estou apaixonada e tenho medo de a relação não resistir a uma longa ausência. Meu namorado não me pressiona a ficar, mas também não garante que me espera. Está chegando a hora de fazer a inscrição para a bolsa e estou angustiada.
O aprendizado ninguém tira de você. O namorado, nunca se sabe (você certamente já ouviu frases como “abandonei o doutorado para me casar, e olhe agora o que ele me fez...”). A paixão não costuma ser boa conselheira. O que garante que o namoro de sua amiga teria durado, caso não tivesse ido estudar no exterior? É melhor você avaliar quanto a bolsa de estudos lhe vai trazer de conhecimentos e a importância desses conhecimentos para sua carreira e realização pessoal, do que ficar cogitando – ninguém pode lhe dar essa certeza – se outra vai agarrar seu homem enquanto você viaja. Por outro lado, quantas pessoas vão estudar fora e acabam se casando por lá mesmo? Não jure ao seu namorado que isso não vai acontecer com você, pois Deus está vendo... Toda mudança na vida implica em perdas, ganhos e riscos. No caso, para você e para ele. Ninguém manda no próprio coração - quanto mais no alheio. No seu crescimento pessoal, sim, você manda, e esse é o nosso verdadeiro poder na vida.

quarta-feira, 26 de junho de 2013

O MEDO DA HOMOSSEXUALIDADE


Conheci na internet uma mulher que mora na Itália e não consigo me desligar dela. Minha rotina é chegar do trabalho e esperar a hora de nos falarmos pelo computador. Fiquei sem amigos e sinto medo que meus pais descubram – para eles, minha paixão homossexual seria um horror. Quero me livrar disso.

 

Uma paixão homossexual virtual não significa que você seja homossexual. É possível que essa fantasia tenha crescido tanto apenas porque você se sentia muito solitária e seu corpo precisava se sentir mais vivo. Um amor irreal e impossível, seja hetero ou homossexual, pode aparentemente preencher essas necessidades, embora de maneira torta. Voltar sua energia para a vida real trará novas experiências que põem as coisas nos eixos. Por outro lado, muitas pessoas, em situações semelhantes, acreditam-se homossexuais e, na primeira tentativa concreta, percebem que não querem realmente relacionar-se com alguém do mesmo sexo. Mas digamos que não seja esse o seu caso, e que você seja de fato homossexual. Não há nada de errado nisso. É normal e saudável. Só a ignorância e o fanatismo religioso de alguns é que ainda vêem o homossexualismo como doença ou desvio de caráter. Se para os seus pais é um horror, eles é que teriam de mudar, e não você. Não estou dizendo que é uma mudança fácil para quem tem preconceitos arraigados a respeito. Mas não há dúvida de que sofrer na sombra e tentar esconder a sua verdadeira natureza, a longo prazo, é sempre pior.

 

Não consigo parar de pensar em uma amiga. Fico feliz quando ela me manda um e-mail, quando me liga e consigo manter a conversa por mais tempo. Conheci essa pessoa num momento em que eu estava insegura, carente de amigos e namorado, querendo me afirmar profissionalmente. Ela tem todas as qualidades que eu aprecio. Tenho certeza de que só sinto atração por homens, mas não consigo entender por que ela não me sai da cabeça.

É perfeitamente natural – e até saudável – que sua amiga tenha ocupado esse lugar em sua vida, num momento em que você estava perdida, desesperada, solitária e confusa. Nesses momentos, nos infantilizamos e precisamos de alguém – homem, mulher, velho ou moço, não importa – que nos apóie, nos dê suporte e até mesmo tome decisões por nós. Durante algum tempo, ficamos dependentes dessa pessoa e não há nada de errado nisso. Em todas as fases de nossa vida, sejamos nós crianças, adolescentes, adultos ou idosos, temos necessidade de uma figura de apoio e é bom que a tenhamos. Talvez, no entanto, já tenha chegado o momento em que você pode sair dessa dependência, já que ela a está incomodando. E, sabendo que você conta com sua amiga, pois ela já provou isso, você pode voltar a ser a adulta que sempre foi, e retomar sua antiga força. Aos poucos, comece a diversificar suas relações, procurar antigos e fazer novos amigos, desenvolver novas atividades, dar, gradativamente, novos passos. Nada impede que sua amiga esteja algumas vezes junto a você, nessa caminhada, mas permitindo que você ande com suas próprias pernas, em direção a novas experiências e relacionamentos.

 

Tenho 18 anos e sou virgem. Gostaria que minha primeira vez acontecesse com um namorado, mas os homens de que gostei não queriam um relacionamento sério. Além disso, assim como sinto muito desejo por homens, me sinto atraída também por mulheres. Nunca fiquei com uma, já cheguei perto, mas não rolou. Será que sou lésbica?

Suas dúvidas vão se dissipar com a experiência. Tanto é possível que você seja lésbica, como bissexual, ou mesmo heterossexual. Mas antes de começar sua vida sexual, seja com um homem, seja com uma mulher, você não tem como saber, pois até agora fez pouco mais do que fantasiar. Algumas pessoas, depois de vários anos de heterossexualidade, com razoável prazer, descobrem que vinham recalcando sua homossexualidade, e só então, ao se relacionarem com pessoas do mesmo sexo, conseguem uma vida sexual plena. De qualquer forma, merece respeito o seu desejo de só fazer sexo com amor, e de se entregar apenas a uma pessoa que queira um namoro ou um relacionamento mais profundo com você. Embora a sociedade em geral e as religiões possam dizer o contrário, o fato é que sua vida sexual pode começar e desenvolver-se com uma mulher de forma tão saudável quanto com um homem, com igual chance de prazer e felicidade.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

PERGUNTAS E RESPOSTAS 2


É a primeira vez que me relaciono com um homem 10 anos mais velho. Tenho 31 e ele 41. É bonito e atraente e não me incomoda em nada a diferença de idade. Mas sou muito espontânea e bem-humorada. Foi justamente isso que o conquistou, mas agora começo a me sentir infantil agindo assim. Não gostaria que ele me achasse imatura demais para ele. Devo me tornar mais comedida?

Em qualquer relação amorosa, o saudável e o promissor é as pessoas se aproximarem pelo que são e não pelo que fingem ser. Uma das principais razões dos fracassos em relacionamentos é o fato de que os apaixonados entendem que devem fazer um tipo mais adequado ao que acham que o outro quer. Depois de um tempo, ninguém aguenta ficar representando um personagem e é aí que a casa começa a cair. É melhor ser rejeitada no início de uma relação, por você ter determinado traço de personalidade, do que mais tarde, por ter fingido não o ter.

 
Há alguns anos, me envolvi com um homem separado e com filhos. Minha família não aprovava o namoro e por isso brigávamos muito. Ele acabou rompendo comigo. Agora voltou a me procurar e quer casar, mas no período em que estivemos separados teve várias relações e mais um filho. Gosto dele, mas estou insegura.

Se seus pais querem de verdade o seu bem, aos poucos acabarão se acostumando e aceitando a sua decisão. No entanto, para poder decidir melhor, tente descobrir o que realmente a deixa insegura quanto a casar-se. Será a herança da resistência de sua família a um homem que já viveu e traz a carga de outras histórias? Ou é você própria que prefere vir a conhecer alguém que tenha uma história diferente? Veja o que, em última análise, pesa mais para você, entre as vantagens e as desvantagens de casar-se com alguém que vem marcado por outras experiências – mais as responsabilidades que resultam dessas experiências. Veja também se seu amor por ele é grande a ponto de aceitar as dificuldades que poderão surgir na vida em comum com a convivência com os filhos dele, para que sua relação com ele possa ser gratificante e enriquecedora para ambos.

Meu namorado era um negro lindo, mas engordou mais de 12 quilos e não consegue emagrecer. Não tem nenhum distúrbio, apenas tendência a ganhar peso. Tem 31 anos e não se cuida. Seu único esporte é jogar bola. Quando reclamo, sei que sou grossa e ele fica triste. Como ajudá-lo sem causar mágoas?

Pode ter certeza de que ele quer emagrecer, sim, e provavelmente se sente culpado por não conseguir – mesmo porque é mesmo muito difícil superar a compulsão alimentar, se for o caso dele. Pense nisso e coloque-se do lado dele, não contra. Se ser “grossa” significa usar de ironia ou acusá-lo, por exemplo, de não ter força de vontade ou amor próprio, você só causa mágoas, e não ajuda em nada. Quando falar com ele a respeito, fale sobretudo dos seus sentimentos e das suas preocupações, e seja absolutamente sincera, tanto em relação aos seus medos quanto no que se refere a sua tristeza por ele estar perdendo a aparência anterior. Ofereça-se para estudarem o assunto juntos e buscar ajuda profissional. Dentre os profissionais de saúde, os mais indicados a ajudá-lo são os nutricionistas, que podem propiciar uma reeducação alimentar gradativa e segura, sem pressões excessivas nem críticas destrutivas, e também sugerir a ajuda de outros profissionais, se necessário. Encontrar práticas e exercícios físicos regulares de que ele goste também não é tarefa fácil, mas, depois de um tempo, o corpo “pede” a atividade física, pelo prazer e o relaxamento que ela propicia.

 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

PERGUNTAS E RESPOSTAS 1



Há dois anos e meio sou apaixonada por um rapaz que só lembra de mim para transar. Nesse tempo, ele já teve três namoradas fixas e continuou me encontrando, dizendo que sente saudade e adora fazer amor comigo, mas não me assume como namorada, talvez por preconceito por eu ser negra. O que faço, se o amo?

Seja por preconceito ou por que razão for, o fato é que ele não a quer como namorada. Com você ele só quer sexo. Isso não quer dizer que ele não possa mudar. Mas essa mudança não ocorrerá enquanto você não parar de se submeter a ele, sem dizer o que quer e quais são os limites que impõe à relação. Se você quer um namoro, e não apenas sexo, é a você que cabe dizer isso. Mas analise bem o que quer, para não ter de voltar atrás depois, pois não se trata de um jogo, e sim de por em xeque o relacionamento – seja para que se aprofunde, seja para acabar com ele e você possa cuidar melhor de si mesma. É preciso que você esteja convencida de que prefere ficar sem ele do que ser apenas sua companheira de cama. E saiba que será inevitável um período de dor, de sentimento de rejeição e abandono, pois não existe perda sem luto, sobretudo no amor. Mas será uma dor de crescimento, que a tornará mais forte e assertiva numa próxima relação amorosa.

  

Casei-me aos 20 anos e apesar de ter tudo para dar certo, me "dasapaixonei" e me divorciei assim que pude. Nunca desejei ter filhos. Sempre fui uma mulher bonita e desejada por muitos homens e talvez a vaidade não tenha deixado aflorar meu lado maternal. Hoje tenho 40 anos e aparento uns 35, mas os homens que encontro estão apenas interessados em aventuras sexuais. Fico pensando se tomei a decisão correta em não ter tido filhos nem ter investido em um relacionamento tradicional. Tenho medo de um futuro solitário, mergulhada na depressão.

Não há decisões corretas “padrão” quando se trata da nossa vida. E a vida é nossa. Podemos, em cada etapa, tomar decisões diferentes, se concluirmos que as velhas maneiras de ser não nos servem mais. Nada impede que mudemos de postura, de posições políticas, de religião e de estado civil. Muitos homens e mulheres se sentem muito bem vivendo sós e sem filhos, e isso é, para eles, o “correto”. Por outro lado, nos tempos que correm, com a rápida mudança de atitudes e comportamento das mulheres, já há muitos homens com mais de 40 se queixando por não encontrar mulheres que queiram se casar e ter filhos. Nada impede que você acabe encontrando um deles. Por último, não custa lembrar que hoje praticamente não há limite de idade para uma mulher ser mãe e são muitas as que estão, depois dos 40, casadas ou solteiras, amamentando bebês fortes e saudáveis.

 

Não adianta todos dizerem que ele não existe. Tenho 50 anos, sou separada, mãe de filhos já moços que vivem em outro país e continuo esperando pelo príncipe encantado. Minha mãe fica indignada, diz que estou velha demais para essas coisas. Em alguns momentos, acho que ser tão só faz parte do meu destino. Em outros, penso que muitos dos meus problemas e tristezas seriam resolvidos se eu encontrasse o homem da minha vida. Será que isso é infantilidade da minha parte? Eu me sinto dividida entre insistir ou desistir de vez dessas ideias românticas.

Exista ou não o príncipe encantado, é importante que você enriqueça sua vida com novas amizades e atividades – sempre em grupo - que lhe dêem prazer (e que, acredite, vão ajudar muito em seus problemas e tristezas). Segue uma sugestão de roteiro:

1) Saúde e corpo, desde exercícios físicos até estudos sobre alimentação.

2) Cursos, congressos e encontros profissionais que contribuam para o seu crescimento pessoal.

3) Puro deleite, ou seja, sair com amigos, ir ao teatro ou conhecer novas comidas e restaurantes, viajar etc.

4) Relacionamentos pessoais  -- reative velhas amizades, resolva pendências com pessoas de quem você gosta, vá a lugares onde possa fazer novos amigos, entre nos sites de bate-papo da internet.

Tudo isso, além de tornar sua vida mais agradável e interessante, dará algumas chances e condições concretas para o príncipe encantado surgir. E, se você acha que ele vem a cavalo, não será demais frequentar um clube de hipismo.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

FEROCIDADE ÉTICA


Chefiei a a reportagem de uma revista de automobilismo. Ao entrar para a revista como repórter de denúncias (motoristas de ônibus e caminhões enlouquecidos por anfetaminas, falsificações de carteiras de habilitação, insegurança no trânsito, corrupção policial etc.), nem sabia dirigir um carro. Mas o jornalismo é assim. Alguns anos depois fui editor da maior das revistas semanais, e minha editoria incluía esportes, sem que até hoje eu tenha uma noção mais precisa do que é um gol. Pênalti ou, pior, impedimento, nem pensar.

Na revista de automobilismo um repórter era o encarregado de revelar, às vezes com um ano ou  mais de antecedência, os novos lançamentos da indústria automobilística. Convicções e nome bíblicos, marido e pai amoroso, ele regia o coro de sua igreja batista em todos os cultos. No trabalho, sua principal tarefa era contatar, diariamente, uma rede de espiões que mantinha nas fábricas, e, acompanhado de bravos fotógrafos, flagrar os protótipos em testes em estradinhas desertas de longínquos municípios do interior, praias remotas, montanhas quase inacessíveis. Apanhou algumas vezes, teve câmeras destroçadas, foi forçado a entregar filmes, levou até tiros certa vez em que invadiu uma fazenda de madrugada. Mas nunca voltou à redação de mãos abanando. Os filmes entregues eram sobras, as câmeras destruídas já estavam vazias, e a revista, mês após mês, renovava seus furos e fazia sucesso nas bancas.

Na época, como agora, nem tudo se podia publicar. Tínhamos na redação, por exemplo, o volumoso relatório de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investigara a indústria automobilística. Um dado me impressionou: o carro mais vendido no país, um pequeno, muito forte, que havia substituído o jipe no Paraná e o jegue no Nordeste, era muito inseguro. Esse carrinho era exportado para os Estados Unidos, mas só entrava lá se houvesse nada menos do que 130 modificações que lhe dessem maior segurança. Só que, se feitas essas mudanças aqui (uma delas, lembro-me, era um arco de aço sob a capota, para a absorção de choques), o carrinho ficaria muito caro, e não conseguiria vencer a concorrência do jipe. E do jegue.

Quando a revista tocava em temas assim delicados – pois os atingidos eram os maiores anunciantes da editora – fazia-o de forma genérica e um tanto superficial. Era preciso muita habilidade para isso, pois não queríamos perder credibilidade junto ao leitor, não queríamos brigar com os anunciantes (a editora não queria), e, ao mesmo tempo, não queríamos ser infelizes. Nossa felicidade, esclareça-se, não vinha dos nossos salários, que, na editora, eram os melhores do país. Era muito bom ganhar bem – e portanto morar bem, frequentar bons lugares, ter os filhos em bons colégios, enfim, era tudo bom. Mas naquele tempo – agora ainda há jornalistas assim, para sua informação, só que ganhando muito mal -, jovens e impetuosos, dávamos um trabalhão aos patrões. Defendíamos com unhas e dentes a verdade que queríamos levar ao leitor. Sabíamos estar trabalhando para a editora, e sabíamos que a editora queria ganhar muito dinheiro. Mas o fato é que se uma publicação não tem leitores, dificilmente terá anúncios, não? Então cuidávamos ferozmente do interesse do leitor.

Pois a mesma fábrica desses carrinhos fazia um outro carrinho, menor ainda – só cabiam nele duas pessoas -, bem bonitinho, e que vendia muito pouco, pois só servia para um menino passear com a namorada, e naquele tempo os meninos não ganhavam carro do pai. Alguns dos que ganhavam compravam esse segundo carrinho da fábrica. E aí a fábrica resolveu fazer um terceiro carrinho, que deveria ser um estouro de vendas. Tinha linhas esportivas avançadíssimas para a época embora seu motor também não fosse muito potente. Seu projeto – já havia um protótipo construído, num galpão dentro da fábrica – era um segredo secretíssimo, guardado a sete chaves. Mas para o nosso maestro batista não havia obstáculo possível. Pacientemente, ele foi fazendo novos contados na fábrica, juntando dados, dando, imagino, uma grana aqui outra acolá, até que um dia tinha o plano pronto: um de seus colaboradores, no horário de almoço da fábrica, deixaria uma escada apoiada numa das paredes do tal galpão, entraria nele com uma cópia da chave da porta, tiraria a lona que cobria o protótipo e aguardaria, por alguns minutos, que ele fosse fotografado. Só não poderia acender a luz do galpão, para não chamar a atenção da segurança. Nosso repórter e o fotógrafo, munidos de um mapa do local, conseguiram passar pela portaria alegando que iam à assessoria de imprensa, esgueiraram-se pelos prédios da administração e da produção e entraram na área do galpão. A escada estava lá. O fotógrafo subiu, vislumbrou, mesmo às escuras, o ponto em que estava o carro e bateu várias chapas. Depois, meticulosamente, foi revelando o filme, milímetro a milímetro, até conseguir uma nitidez perfeita da imagem. Era um belíssimo protótipo amarelo, aquele em que a empresa apostava todas as suas fichas para dominar o mercado de esportivos no Brasil.

 

A capa ficou linda. O amarelão do protótipo chamaria a atenção nas bancas. Em grandes letras, anunciávamos o futuro lançamento. Na reportagem, além de descrevê-lo, contávamos em detalhe a aventura dos nossos profissionais.

O diretor da revista estava em férias na Europa. Eu e o secretário de redação estávamos responsáveis pela revista. De repente, vem da gráfica a notícia: a impressão foi paralisada, por ordem da alta direção da editora. Ainda estávamos confusos, quando o patrão nos chamou pra conversar. Resumo: a fábrica também tinha seus espiões, e soubera da reportagem. Imediatamente percebeu que se fosse publicada seu carrinho de menino passeador não iria vender nunca mais uma unidade sequer. O presidente da fábrica no Brasil ligou pessoalmente para o nosso patrão e declarou que, se a reportagem fosse publicada, cortaria todos os anúncios de todas as revistas da editora, que não eram poucas. O prejuízo seria grande.

“Pensei em propor tirarmos a reportagem, desde que eles dobrem a quantidade de anúncios” - disse ele. O lucro seria grande.

Assustado, olhei para o secretário de redação, meu amigo, que me olhava assustadíssimo.

Não são muitos, na vida de um cidadão comum, os momentos em que é possível praticar um ato trágico ou heroico. Momentos em que se tem a clara noção de estar participando da história, de alguma história, pelo menos. Que alimentam esse ocasional orgulho besta de achar que fazemos a diferença, e que é por isso que vale a pena viver. Aquele era um momento, e eu não quis deixá-lo passar, mesmo porque um dia poderia contá-lo num livro. Olhei firme – mas sereno – os olhos do patrão e lhe disse: “Não acho uma boa ideia. A redação não vai aceitar isso”. O patrão entendeu a situação, e, pra minha surpresa, nem hesitou. Bateu a mão espalmada na mesa e concluiu: “Então OK, vamos partir pra briga”.

As férias do diretor de redação foram interrompidas, e houve três dias de duras, depois um pouco mais macias, e finalmente quase cordiais discussões. A matriz europeia participava das negociações, por telex. E aconteceu o que eu achava que ia acontecer. A fábrica estava acostumada com uma imprensa picareta, dócil, que cedia a qualquer pressão por uns trocados. A imprensa das matérias pagas, das “edições especiais” patrocinadas por empresas, governos ou mesmo pessoas físicas poderosas. Não esperava que brigássemos com ela. E, certamente, começou a pensar nos demais prejuízos que poderia ter com uma eventual guerrinha contra a editora. Previu, por exemplo, o que seria ter contra ela mais de uma centena de publicações diferentes, denunciando as 130 falhas de segurança do seu carrinho. Revistas infantis, juvenis, revistas para a dona de casa, para a mãe, para a moça que trabalha, para a moça virgem, para o executivo, para outras empresas e empresários em que personagens de ficção e entrevistados, sem exceção, descessem a lenha nos seus carrinhos. E foi cedendo, cedendo, cedendo, e cedeu.

A única concessão que acabamos fazendo – só para eles poderem dizer à matriz europeia que também tínhamos cedido em alguma coisa – foi não contar, no texto, que as fotos foram feitas na hora do almoço. O resto foi digerido pela poderosa transnacional. A duras penas, mas foi. Mais uma vez a Europa se curva. 

quarta-feira, 19 de junho de 2013

A CULPA DAS MANHÃS


Que onda dos meus sucessivos mares afogou a imensa culpa das antigas manhãs?  

Eu rememorava o dia anterior e nada. Obrigações cumpridas. Crianças à escola, caminhada, trabalho duro até tarde da noite, correção de erros e negligências de minha diretora e da equipe. Dívidas pagas, nenhuma traição (nem à minha mulher, que bem merecia uma traiçãozinha), nenhum mal. Mas a culpa ali estava, espessa e indigesta, fazendo do meu corpo uma carga insuportável. Mas o dia tinha de começar. Era preciso encontrar ar, e eu o buscava com o esforço possível. Juntava meu corpo, pedaço a pedaço, ia tomando-me nas costas e me levava, ao café da manhã, ao trajeto para a escola das crianças e o mais. Cada ato, cada palavra dita, cada novo movimento, aos poucos amenizava a lembrança do nada que me culpava, e a vida podia enfim seguir.

Culpa, sobretudo uma culpa assim, que vem do nada, deve ser coisa de gente honesta, não?

Era um bom argumento a favor da minha honestidade. E naquela época era só culpa mesmo. Ainda não havia medo, nem mesmo medo de minha inocência ser punida. Talvez, isso sim, um desejo de punição. Algum sofrimento físico que pudesse me livrar do mal que não fizera. Ou (dúvida) do bem que deixara de fazer?

Já o medo, dominador e sufocante, veio anos mais tarde.

Houve também a angústia de três sonhos recorrentes. Acompanharam-me, noite a noite, alternando-se anos a fio. Mas também já se diluíram.

Sonho número um (a ordem não é de importância não. O sentimento tem a mesma intensidade, nos três): estou num hotel muito luxuoso, à beira-mar. Terminou meu prazo para a fase de apuração da reportagem, e não tenho uma informação sequer. Gastei uma grana da editora e vou voltar à redação sem ter feito nenhuma entrevista, nenhuma pesquisa, nada. O  sonho não especifica por que isso ocorreu. Não diz se eu não consegui nada, se eu simplesmente não soube o que fazer ou se eu vagabundeei o tempo todo em que estive no hotel. Tentando preencher, não sei se com a memória ou com minha deficiente lógica, alguns dados do sonho, parece-me que, embora o hotel seja à beira-mar, não fui nenhuma vez à praia, para não perder meu precioso tempo de trabalho. Na vida real, pelo menos, era assim. Depois de uma entrevista eu voltava ao hotel, revia as anotações, acrescentava o que faltava, deixava as informações mais claras, completava palavras anotadas às pressas (por medo de não as entender depois), e registrava aspectos do ambiente, cores das paredes, móveis e objetos que havia na sala, tom de voz e emoções do entrevistado. Tudo que pudesse me ajudar depois ao redigir o texto. Nesses momentos já se iam delineando também o título, os destaques do texto, as fotos que iriam ilustrá-lo. Se o texto ficasse bom, se a reportagem fosse importante, se as pessoas elogiassem, ninguém perceberia que eu era uma fraude.

Sonho dois: estou desempregado e alguém me chamou para um trabalho. É num jornal em que já trabalhei, mas cuja redação hoje está dominada por um grupo que não conheço, e que veio de outro estado. Eles são famosos, eu já não sou. Alguns deles sabem do meu passado, mas o desprezam.  Há um tom irônico na maneira como me tratam e me dão tarefas de terceira categoria, quando dão. E nunca me pagaram nada. As vezes esse sonho se passa numa grande redação, eu num canto, ninguém fala comigo. Outras vezes estou fora da redação, num ambiente cheio de arquivos, eu numa mesa apertada entre dois arquivos e nada para fazer. Outras ainda, trabalho, também sem receber – mas nunca reclamo, pois não quero que saibam que sou um fracassado -, numa redação cheia de gente num espaço pequeno, sem janelas, tentando fazer sobreviver uma publicação praticamente falida.

Sonho três: anos depois de formado, tenho de voltar à faculdade de psicologia. A administração da escola descobriu que, nos meus sucessivos trancamentos de matrícula, deixei de cursar algumas disciplinas. Tenho de fazê-las agora, sob pena de ter o diploma cassado. Percorro os corredores e escadas atrás de aulas em que, cansado, entediado e humilhado, ouço lições do que já sei e com o que não concordo.

E havia, como você certamente já percebeu, uma quase convicção de que eu era uma fraude. Desde criança, sempre que falavam da minha inteligência, da minha simpatia e de outros dons de prestígio, eu pensava comigo mesmo: mais um que se engana. Caramba, eu poderia ao menos me orgulhar por ter enganado mais um, mas nem tal talento, eu sabia, haveria em mim. Era sorte, era coincidência ter ocorrido o que motivou a falsa impressão – ou era apenas a mediocridade maior do outro que o levava a me julgar talentoso. A certeza da fraude me exigia um esforçado disfarce. Dava certo. Só eu mesmo sabia o bosta que era.

Suspeito que entre essas duas características – a certeza de ser uma fraude e o sentimento de culpa – há alguma conexão.

terça-feira, 18 de junho de 2013

MENTIRAS TERAPÊUTICAS


Impossível não mentir. Por trás de tudo o que sinto há um imperceptível preconceito que me faz ser injusto. E, talvez pior, por trás do que penso há um desejo, que me faz pensar torto. E aí, queira ou não, minto. Minto quando conto o que vi e vivi, e quando exponho minhas precárias teorias. Seleciono o que confirma minhas ideias e realiza meus desejos. Recordo o que recordo, não o que ocorreu, e, assim, o que quero que tenha ocorrido produz a mentira.

Por isso tento (nem sempre consigo) evitar nomes, sobretudo os de quem não está bonito em minhas memórias fotográficas. Nomeados injustiçados ficam sem defesa – ou você já viu um desmentido limpar o nome de alguém? 

E por que conto? Para rir, chorar e dividir dores e prazeres com você, e assim ficarmos menos sós.  Contar me faz bem. Drummond diz mais ou menos o seguinte: "Não me considero um escritor. Sou apenas uma pessoa que escreve. Que escreve porque tem de escrever, e que começou a fazê-lo para cuidar das necessidades da alma. Como uma psicoterapia sem divã. Mesmo porque nesse tempo não havia psicanalista em Minas".

Escrever sempre me foi terapêutico. Adolescente, eram cartas e cartas para amigos e amigas distantes, tios, tias, primos e avós – além das sobras de páginas dos meus cadernos de escola, quando escrevia para mim mesmo. Ajudava-me a sair da depressão e da confusão. E ainda ajuda.

Certa vez, já adulto, encontrei um caderno de escola dos meus 15 anos, se tanto, em cuja última página alinhei as "Razões para renunciar à Presidência do Grêmio Literário e Recreativo Filadélfia". Viajei por aquele rico momento do passado, recordando como o pequeno texto me ajudou a não renunciar, e a ressignificar e enfrentar melhor as pressões que sofria, a insegurança, as brigas com os professores, as decepções com colegas, a impotência, a solidão e o desamparo. O quanto meus escritos – e mais os derramados sambas-canções de sabor nelsongonçalviano e adelinomoreiresco que eu compunha na época – me ajudaram a tomar as primeiras grandes decisões da vida.

Fazer música – algumas delas até com certo grau de qualidade - tinha função semelhante. Na faculdade de psicologia tive dois anos de Estatística, e era, sabe-se lá por quê, a disciplina mais difícil do curso, com professores rigorosíssimos, empenhados a nos convencer de que, em matéria de psicologia, nada pode ser mais importante do que um desvio padrão, um teste de proporção ou um “fi” - não me pergunte o que é fi, por favor. Maluquices do nosso ensino, pois nem eu nem nenhum dos meus colegas nunca usou nada daquilo. Um dia tive uma briga feia com um dos professores, que cometera erros grosseiros na correção de uma prova minha (ele não conseguia entender meus rascunhos, feitos no verso da prova, e por isso anulou várias das minhas respostas. Deu-me um trabalhão explicar meus peculiares raciocínios que justificavam as respostas, todas corretas). Ganhei a briga, mas a raiva restante ainda era grande, e no dia da última prova compus uma marchinha que começava assim: "Adeus, Estatística, não quero mais te ver. Não sei como te aguentei dois anos, Estatística. Por mim, você pode morrer!". Ensaiei com alguns colegas, e cantamos no pátio para os professores. Saudabilíssima vingança.

Pois então, sigo por aí, me adoecendo e me curando...

segunda-feira, 17 de junho de 2013

NO LYRA PAULISTANA

1982 (acho). Eu cantando no Lyra Paulistana, como integrante de "Os Bandalheiros". com Paulo e Chico Caruso. Participaram o maestro e pianista Aluisio Pontes, as gêmeas Celma e Célia, Edinilton Lampião, Quebrado James, e ainda... ih, esqueci...Estou de pijama e sentado numa boia, porque me recuperava de uma cirurgia de hemorroidas. A foto é do Paulinho Abrão.
PROPOSTAS INDECENTES Dia 23 de maio de 2012, a bela fisioterapeuta me recebe com um sorriso, anunciando meu presente de aniversário: “Amanhã você faz 69, e vai ganhar uma massagem especial”. Pergunto: “Não pode ser o contrário?”. Ela me olha confusa: “Como assim, o contrário?”. “Ora, eu faço a massagem especial e ganho um 69!” Ela dá uma linda gargalhada, mas não leva a sério minha proposta, como seria previsível. Enfim, pelo menos eu tentei. Sim, eu estava brincando, mas, sabe-se lá, vai que a conversa segue por outro rumo? Ao peso dos 69 anos, me conformo, e, ainda mais tendo alguns problemas físicos que explicarei melhor mais à frente, boa parte da vida é feita de tentativas. Nem vou dizer que não devemos nos abater pelo insucesso delas (e aqui já não estou mais falando da conversa fisioterapêutica), pois vamos mesmo nos abatendo, debatendo, rebatendo, batendo e combatendo, ou não vivemos. Pois é, 69 anos, e os últimos dez aqui na ilha. Não todo o tempo, que eu não aguentaria. Sempre aceito propostas de trabalho que me levem a outros cantos por um tempo. E mesmo quando elas não surgem, dou minhas saídas para respirar outros ares, ver outras pessoas, cinema, teatro, shows, conversas. E também para periodicamente ver e ser visto pelos meus médicos na grande metrópole. Eles se alternam. Urologista, endocrinologista, geriatra, pneumologista, cardiologista, ortopedista, neurologista, angiologista, dermatologista, fisiatra, psiquiatra. Vou também para fazer inspeção veicular no carrinho que tenho lá, carrinho que me leva para ir ver meus netos e minha mãe, que moram mais ou menos na região. Fico num apartamentinho mínimo, de 28 metros quadrados (que levei 10 anos pagando, só pra ter – exatamente, se eu não engordar muito – um lugar para cair morto, como aconselhavam meus amigos), numa rua central de um bairro com nome de órgão do aparelho urinário, onde eu dormia ao som dos ensaios de uma grande escola de samba, das brigas de bêbados com suas bêbadas e, vez por outra, tiros e sirenes policiais. A área era dominada por cortiços, sex-shops e treme-tremes. Agora está sendo demolida e reurbanizada, cheia de belos novos edifícios, esvaziando-se do charme da pobreza e se povoando do charme burguês. O metro quadrado, nos últimos meses, teve seu valor quintuplicado. Meu gracioso predinho, antes um tanto constrangido em meio aos deteriorados casarões dos cortiços e ao imenso e à noite febricitante conjunto de treme-tremes, agora parece mais alegrinho, embora um tanto humilhado com a chegada de seus luxuosos e arrojados vizinhos. Eu adorava o jeitão anterior, a música sertaneja e o forró berrando nos fins de semana, a dança nas ruas, os travestis decadentes, a modesta marcenaria, a precária farmácia, o mercadinho-bazar, o mecânico, os peões pra tudo que me resolviam os problemas de encanamento, eletricidade e pequenos consertos domésticos. A debandada é geral, a demolição é geral, a metrópole está na undécima de suas infinitas reconstruções, e não perdoa. Como a Iracema do Ceará do Chico, terei saudade, mas não muita. Novos restaurantes, cafés, jardins e outras delícias burguesas preencherão meu tardio lado emergente e me confortarão, nas periódicas idas à metrópole. Na ilha, tenho um carro maior e mais alto, para enfrentar as ruas de terra, esburacadas, empoeiradas quando faz sol e inundadas e enlameadas quando chove. É aqui que escrevo. Minha casa tem quatro suites, geralmente vazias, mas minha solidão é periodicamente confortada pela presença dos amigos, filhos e netos, sobretudo nas temporadas de verão, quando eles vêm aproveitar as dezenas de praias, lagoas, dunas e trilhas de montanhas, outras ilhas, paisagens deslumbrantes, baleias, golfinhos, bons restaurantes de peixes, lagostas, camarões, mariscos, ostras, sushis e sashimis, ceviches, moquecas, caldeiradas. Meus netos brincam também no gramado, pesquisam insetos, correm atrás dos beija-flores, eventuais tucanos, borboletas e louva-a-deus, colhem frutos das árvores. Me fazem feliz. Ao longo do ano, quando na ilha, revezo-me da solidão para o amor – este mais nos fins de semana. Tenho fisioterapia todos os dias de semana (sábado e domingo, folga para namorar), e atualmente estou fazendo, conforme os ditames contemporâneos, não regime, e sim reeducação alimentar. Regime, só fiz uma vez na vida pra valer, com um médico judeu meu amigo – mas que comigo fingia ser nazista, para efeito do regime. Em quatro meses, baixei de 105 para 75 quilos. Hoje o nutricionista me explica que aquilo foi uma loucura, pois emagrecimento tão rápido avacalha todo o metabolismo e implica necessariamente em perda de massa magra, o que de forma alguma é recomendável. Deus me livre. Mas também não é fácil a tal de reeducação. Praticamente não se pode fazer outra coisa, pois são oito refeições por dia em horários determinados. Uma delas tem de ser 40 minutos antes da fisioterapia, outra um segundo depois da fisioterapia, outra meia hora depois. Qualquer outro compromisso, pois – de ir comprar as coisas para comer, por exemplo, bagunça tudo. Por isso, tenho direito a três furos por semana – ou seja, bagunçar só três refeições, em 56! Convenhamos que é muito pouco. Mas funciona (também, só faltava não funcionar, não é mesmo?). Fiz com a namorada uma viagem de seis dias à Espanha e apenas tentei não sair demais dos horários e ingredientes, no limite do possível. Pelo menos não engordei. Mas cumprir tudo direitinho é obviamente impossível. Ainda bem que o nutricionista é um moço benevolente, sangue 100% latino, peninsular, e até hoje não me lançou nenhuma imprecação maior. Nossa meta é eu emagrecer uns 2,5 quilos por mês. Meu plano secreto (não conte a ninguém) é chegar aos 70 anos com dois dígitos. Iria me deixar mais lépido, fagueiro e confortável na convivência com minha deficiência física. Quem viver verá.